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"Aqui eu não sou mais a resistência, eu sou a persistência".

O drama da comunidade da Parada

 O Complexo Industrial e Portuário do Pecém visa propiciar condições para o desenvolvimento econômico da região com justiça social e proteção ao meio ambiente, sendo valores permanentes do empreendimento a manutenção de condições adequadas de equilíbrio do ecossistema e de preservação dos recursos naturais não-renováveis e a garantia da qualidade de vida das populações, especialmente quanto à racionalidade da ocupação espacial e utilização dos recursos naturais da região.

 

Moradores protestam contra a exploração dos recursos hídricos locais para abastecimento do CIPP

 

Trecho retirado do site Cearáportos.

Apesar das tentativas de minimizar os impactos, hoje o CIPP provoca dois grandes conflitos. A população de comunidades de São Gonçalo e Caucaia lutam contra a exploração dos recursos hídricos locais para abastecimento das indústrias do Complexo. Enquanto moradores do Assentamento Nova Vida, na comunidade da Parada, em São Gonçalo, estão prestes a serem deslocados da região por conta da exposição que tem sofrido ao carvão mineral e ao minério de ferro expelido da esteira transportadora que leva o material para a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e para a Usina Termelétrica do Pecém (UTE).

 

“Aqui eu não sou mais a resistência, eu sou a persistência”. É assim que Milvando Peixoto, pintor, descreve sua luta contra a perfuração dos 42 poços para exploração do lençol freático e retirada da água do Lagamar do Cauípe para abastecimento do Complexo. Processo que começou à medida em que o volume de água no Ceará diminuiu com a seca e o Estado se comprometeu com a garantia hídrica das indústrias do CIPP como parte da infraestrutura que o governo precisa assegurar aos empreendimentos.

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Desse modo, a saída vista pelo Estado foi explorar os recursos hídricos que abastecem a população local e dão base ao turismo de pequena escala. A reação da população foi imediata, e a ação de exploração do Lagamar e das dunas foi suspensa após ação direta das comunidades. Pessoas se reuniram e fizeram um acampamento no meio da obra de implementação dos canos para perfuração dos poços.

 

O protesto que se iniciou no dia 4 de junho deste ano se estendeu até o dia 15 de novembro quando os moradores abandonaram o local. Milvando continua lá, o artista que retrata a história do povo de São Gonçalo em suas pinturas, manifesta a preocupação diante da escolha do governo de terminar as obras mesmo prometendo não haver retirada de água.

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A persistência de Milvando faz sentido, porque boa parte das casas da região são abastecidas por poços, com a construção de novos destinados ao Complexo Portuário, que demanda uma grande quantidade de água, haveria o desabastecimento das comunidades do entorno. Assim, a população optou pelo ativismo para demonstrar que não estava favorável a exploração. Contando também com o apoio da igreja, no dia 7 de setembro, foi realizado pela paróquia local o ‘Grito dos Excluídos’, com a temática ‘Água é vida’, reforçando o propósito.

 

Soraya Vanini relata outras experiências de exploração de água que acabaram exaurindo outros recursos da região. “Antigamente existia um açude chamado Sítios Novos, na comunidade de mesmo de nome, que foi projetado para ser usado pelo CIPP, só que a térmica consumiu tanta água que exauriu esse açude e hoje a comunidade não tem água. Esse açude era da comunidade”.

Ao mesmo tempo projeta-se outro conflito no assentamento Nova Vida, lá se encontram 79 famílias que foram desapropriadas de diferentes comunidades, a grande maioria agricultores. Além de terem passado por um árduo processo de expropriação recentemente, entre 2010 e 2012, agora os moradores sofrem com a exposição ao carvão mineral e ao minério de ferro, que chega até às suas casas pela proximidade da esteira transportadora que conduz esses materiais para a usina termelétrica e para a siderúrgica.

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Sem nem ainda terem superados as dificuldades de serem expulsos de suas terras, os habitantes passam por mais um drama. Cosmo Pereira, 61 anos, veio da comunidade do Tapuio para o Assentamento em 2012, relata sangramentos no nariz constantes por respirar pó de carvão, e logo depois fala com tristeza da sua nova moradia, muito diferente da que tinha. Sua antiga propriedade era fértil e tinha muito espaço para produção. Ele atribui o falecimento de seu pai em 2015 aos efeitos da desapropriação que sofreram. “A gente vivia em uma terra farta, plantava manga, caju... Aí eles colocam a gente aqui, só com a casa e a água”.

 

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Para Érica Pontes que acompanha esse processo, o governo foi negligente em alocar as famílias nesse assentamento.“É um lugar que obviamente já se sabia que ia ser impactado posteriormente. Somente a comunidade não sabia disso, até porque eles não tem obrigação nem condições de fazer o mapeamento da área. Mas o Estado tem e, ainda assim, alocou essas pessoas nesse lugar. Hoje, em 2018 muitas dessas pessoas já foram embora e a maioria delas já está com a saúde absolutamente comprometida ”.

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Já existem pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para diagnosticar os riscos que esses resíduos provocam a saúde. São doenças respiratórias, câncer, problemas no coração e várias outros problemas ligados a contaminação. A moradora Lili Mesquita fez reclamações a ouvidoria da CSP que apenas respondeu que o pó não era nocivo à saúde. “Eles falaram que era só limpar”.

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O acúmulo de pó nas casas obriga os moradores a limparem suas residências em média três vezes ao dia. Eles relatam que o pó se acumula pelos móveis, no chão e fica perceptível até nas roupas mais claras que ficam guardadas no armário. Rita Oliveira, reclama sobre as inflamações de garganta constantes e gripes que não curam.

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A esteira tem um percurso de, em média, 13 km. Por ter uma estrutura suspensa e vazada, à medida em que o carvão e o  minério de ferro vão sendo transportados a 10 metros de altura, é inevitável que o pó não seja propagado. Ele cai sobre as dunas, a água e as residências. O Ministério Público chegou a embragar o equipamento, mas pouco tempo depois voltou a funcionar. Érica Pontes conta que acionou o Ibama inúmeras vezes por conta de vazamentos que acontecem tanto em terra, quanto no mar. Na realidade, o projeto da esteira aprovado não corresponde com o encontrado lá, a ideia era de uma esteira hermeticamente fechada que evitaria o vazamento de resíduos.

 

Os diagnóstico feitos por Érica na comunidade da Parada são ainda mais graves. “ A gente tem vários exemplos de crianças, idosos, quase todo mundo com problemas respiratórios, com problema de pele, outros casos de depressão, por exemplo, de distúrbios do sono. Vários casos relatados que são resultados da exposição ao pó do carvão, ao minério de ferro, ao barulho constante ”.

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Pó de carvão e minério de ferro acumulado dentro de poucos dias na casa da moradora Layane Félix. 

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