Efeitos da desapropriação
Como foi citado, as primeiras problemáticas na região do Pecém surgiram com as expropriações ainda no ano de 1996. Esse fenômeno causou uma reação imediata e um efeito contínuo no desaparecimento de costumes e da cultura local; o que levou os moradores a defenderem suas terras, considerando-a não apenas no aspecto material, mas, sobretudo, na dimensão simbólica, “onde estão as raízes, os costumes, o modo de vida e as relações com outros moradores”.
Organizaram-se a partir daquele primeiro momento diversas entidades de defesa de direitos que, junto aos cidadãos, articularam-se para discutir os processos da implantação do Complexo Portuário. O objetivo era pressionar o governo para reavaliar as medidas tomadas para desapropriação. Desta forma, o Fórum do Litoral, Desenvolvimento, Cidadania e Meio Ambiente foi um dos principais colaboradores na luta junto às comunidades, era composto pelo Instituto Terramar, a Pastoral de Pescadores , Instituto da Memória do Povo Cearense (IMOPEC), o Departamento de geografia da UFC, o Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CPDDH), a Central Única dos Trabalhadores (CUT/CE) e o gabinete do então deputado João Alfredo Teles Melo.
Com a instalação do porto a população do Pecém, mais uma vez, está sendo “arrancada” do seu chão onde sua identidade foi constituída. Está sendo desterritorializada para dar lugar ao “progresso” trazido pelo o CIPP.
Trecho contido na tese de Maria Flávia Coelho, ‘Zona costeira do Pecém: de colônia de pescador a região portuária’, 2004.
A equipe do jornal Diário do Nordeste cobriu o evento e contou a história da agricultora e dona de casa Maria Conceição da Cruz que, devido a incerteza de onde passaria a morar com os seus seis filhos, foi parar no hospital por agravamento de uma doença cardíaca. O Fórum fez uma pesquisa com 453 famílias residentes de áreas reservadas para o CIPP, os moradores destacaram a insatisfação em terem que abandonar suas casas, medo e desinformação a respeito de seus destinos após a construção do porto.
Em 9 de fevereiro de 1997, o Fórum do Litoral e comunidades atingidas pelas obras do CIPP enviaram uma carta ao vice presidente do Banco Mundial em apelo à situação das famílias desapropriadas, relatando os conflitos que se sucederam após o início da construção do Complexo e reforçando a necessidade da criação de uma Comissão de Acompanhamento dedicada a monitorar as obras do porto. Na carta os remetentes se referiam ao investimento do Governo como sendo responsável por “graves prejuízos de natureza sociocultural e ambiental, promovendo o desmonte das dunas, invadindo propriedades particulares, num flagrante ao que afirma a propaganda enganosa veiculada nos meios de comunicação e atropelando o desenvolvimento sustentável ”.

A insatisfação dos moradores com a abordagem de técnicos do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) no trabalho de cadastramento de famílias que iriam ser realocadas foi marco para se abrirem discussões sobre os efeitos negativos do empreendimento. Matérias exibidas em jornais locais relatavam o descontentamento e aflição dos habitantes que não sabiam onde passariam a morar após a desapropriação. Na publicação do jornal Diário do Nordeste, em 30 de junho de 1997, o agricultor Francisco Rodrigues conta que foi pressionado e sofreu ameaça de despejo por funcionários do governo, caso não aceitasse a oferta de indenização e repassasse a titularidade do seu terreno. Como aponta no texto, ele acusou o Estado de ter sido “arbitrário e não tê-lo preparado emocionalmente”.
No dia 12 de novembro de 1996, representantes do governo, o Fórum do Litoral e a população do Pecém reuniram-se em Audiência Pública para debater os impactos socioambientais trazidos pelo CIPP. Na ocasião foram apresentadas uma série de queixas em relação ao cadastramento das famílias, o preço das indenizações e denúncias sobre a insegurança que tinha se estabelecido; já havia sido registrada uma morte. Os técnicos do Governo prestaram esclarecimentos, embora insuficientes. Naquele momento ficou acertada a criação de uma Comissão de Acompanhamento às Obras do Complexo, que não obteve continuidade por falta de resposta do Governo, apesar das várias solicitações do Fórum.

O vereador Augusto Gonçalves, em pronunciamento na Câmara Municipal de Fortaleza, denunciou a pressão que o Governo do Estado exercia sobre os moradores a fim venderem seus terrenos “a preços irrisórios para efeito de desapropriação”. Ele também afirmou que a empresa responsável pelas desapropriações estaria pagando R$ 286,67 por hectare, enquanto na praia de Paracuru (a 22 km do Pecém) a área equivalente estaria sendo avaliada em R$ 8 mil. Os preços baixos das indenizações sempre foram questionados pelos moradores que acabavam aceitando a quantia ofertada pelo medo de acabarem sem nada.
No ano de 1997, o Fórum do Litoral realizou o seminário ‘Complexo Industrial e Portuário do Pecém- Desenvolvimento Para Quem?’ com duração de três dias e participação de representantes de ong’s, pastorais, sindicatos, estudantes e líderes comunitários. Na ocasião foram discutidos temas como, a arbitrariedade com que agiam Governo Estadual e Federal, a iniciação das obras do porto anterior a aprovação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente e a falta de diálogo que deixava a sociedade à margem dos debates e decisões tomadas para aquela obra.
As primeiras populações desalojadas eram de regiões do distrito de Pecém, e das comunidades de Gregório, Paú, Matões e Bolso. Mas, no curso das obras, muitas outras comunidades foram sendo afetadas. Soraya Vanini relembra como foi danoso para o povo passar pela experiência de ser desterritorializado: “Várias comunidades que foram deslocadas tiveram o valor [de suas propriedades] completamente subavaliado e foram deslocadas de lugares onde tinham fartura e relações de vizinhança estabelecida. Muitas famílias perderam entes que morreram de desgosto, depressão, principalmente pessoas idosas. Muitos morreram nesse processo”.